segunda-feira, 23 de outubro de 2017

O menino está na fila "errada", e agora?

Atualmente a sociedade brasileira está muito preocupada com o fato de que os papéis de gênero, já estabelecidos há séculos, estão sob desconstrução, e isso causa um desconforto geral, já que abala as "estruturas" de quem, até então, tinha o controle social. Esses debates giram em torno do comportamento sexual ou do papel de gênero que um indivíduo desempenha sem que se leve em consideração aquele ser como um humano. Essas pessoas que são condenadas ao inferno, acusadas de escolherem sua sexualidade erroneamente e impedidas, muitas vezes, de viver seus direitos como cidadãos, são nossos colegas de trabalho, nossos familiares, nossos filhos, nossos alunos.

Outro dia, na escola em que leciono, vivi uma experiência e gostaria de dividi-las com vocês.

Na festa das crianças a escola foi presenteada com alguns brinquedos para a garotada, estavam todos animados e as crianças formaram uma fila enorme para brincar no que era a sensação da festa - "o futebol de sabão". O rapaz que estava responsável pelo brinquedo organizou as crianças em duas filas distintas, uma de meninas e outra de meninos com a justificativa de evitar "problemas" por conta das "brincadeiras mais bruscas dos meninos".

Após alguns minutos percebi que havia um garoto (de 9 anos) na fila das meninas conversando animadamente com suas colegas de turma. Me aproximei e perguntei educadamente e bem baixinho: "amiguinho, você vai brincar?" Ele acenou positivamente e eu continuei: "então, você percebeu que está na fila para as meninas e que tem uma fila só para os meninos?". Ele, com um olhar meio desapontado me respondeu: "eu sei tia, mas eu não quero ir com os meninos não!". Percebi o desconforto do menino, mas preocupada com a frustração que ele poderia vivenciar por chegar ao final daquela longa espera e ser impedido de brincar por estar na fila "errada" eu continuei: "amor, então, eu entendo, mas acho melhor você ir pra fila dos meninos, se não, o moço não vai deixar você brincar". O garotinho, concordou comigo e com cara de choro foi pra fila masculina, ficou ali isolado e desconfortável, esperou exaustivamente e quando finalmente chegou a sua vez ficou pulando sozinho no brinquedo, sem interagir com os meninos que estavam jogando futebol.

Confesso que fiquei muito desapontada por não ter lidado com aquela situação corretamente, tentei ser carinhosa e não causar maiores frustrações - na verdade fiquei com medo dele sofrer um constrangimento maior - mas minha boa vontade não ajudou muito. O menino não aproveitou o brinquedo e ficou frustrado.

A gente não trata esses assuntos com seriedade, fazemos piada, rimos e mudamos de assunto, mas nossas crianças sofrem com nossa recusa de aprender a lidar com a diversidade. Já presenciei diversas situações em que a professora ou responsável constrangeu a criança repreendendo-a, publicamente, por sua atitude não condizer com que era esperado para seu sexo, e em todas essas situações a criança chorou, sofreu e ninguém parou pra pensar se estavam fazendo mais mal do que bem para esse ser em construção.

Independente de nossas crenças ou valores nossas crianças gays, trans ou que simplesmente não seguem os padrões existem e sofrem diariamente por conta de nossa incapacidade de nos colocarmos em seus lugares.

Será que estamos agindo corretamente? Vamos refletir sobre isso, por favor!
Sejamos mais humanos.

Por Priscila Messias

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